2Co 6.14-18 59 minutos 26/04/2015
Mauro Clark
Após a tocante passagem do trecho passado, em que carinhosamente pede que os irmãos alarguem os corações para com ele, Paulo aprofunda o assunto, agora num tom mais grave e até mesmo de dura repreensão.
Afinal, a atitude de que Paulo pedia deles (que alargassem os seus afetos para com ele), estavam tendo exatamente para quem não deveriam: os incrédulos! Inverteram as coisas.
Começa com uma ordem pura e simples:
v.14a
Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos
Antes de tudo, veja que Paulo se refere a dois grupos:
“vós” e “os incrédulos”. Ou seja, crentes e não crentes.
Só esta frase é suficiente para profunda reflexão.
Aos olhos de Deus só há dois grupos de pessoas no mundo: crentes (comprometidos com Ele pela fé em Cristo) e não crentes.
Aos olhos do mundo, todos são iguais, são seres humanos, são filhos de Deus.
Qualquer tipo de diferenciação é considerado discriminação maliciosa e inaceitável.
Mas Deus não apenas vê dois grupos no mundo, mas proíbe que um grupo - os crentes - se coloquem numa certa posição com relação ao outro.
Que posição? jugo desigual
Paulo devia estar pensando em Dt 22.10: Não lavrarás com junta de boi e jumento.
Strong: ετεροζυγεω heterozugeo: ετερος heteros: outro, diferente + ζυγος zugos: lit. jugo ou canga que é colocado sobre um ou dois animais de carga (cavalos, mulas ou bois) emparelhados; par; ou junta de animais; metáf., usado para qualquer carga ou sujeição.
Ou seja: 1) submeter-se a jugo desigual ou diferente, estar desigualmente unido
1a) ter comunhão com alguém que não é semelhante.
Louw-Nida: ἑτεροζυγέω: associar-se de maneira errada ou imprópria. É necessário indicar de que maneira mais precisa alguém estaria erroneamente associado com outros.
Esta frase poderia traduzir-se: “Não tente trabalhar junto com os não crentes” ou “Não se torne parceiro com os que não crêem”.
Embora “jugo desigual” seja uma expressão geral, obviamente Paulo não está mandando o crente se tornar eremita, se isolar de tudo e de todos.
Ele próprio já dissera que isso seria impossível: 1Co 5.10
O princípio é o que ele expressou em Ef 5.11:E não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as.
Então, como identificar cada tipo de relacionamento em particular?
Em vez de alistar tipos específicos, faz cinco perguntas retóricas, apontando para naturezas de relacionamento que não são aprovadas entre os dois grupos:
1ª: sociedade: μετοχη metoche: lit. “ter com”: parceria, participação, confraternidade
2ª: comunhão: κοινωνια koinonia: fraternidade, comunidade, participação conjunta, relação próxima de envolvimento
3ª: harmonia: συμφωνησις sumphonesis: concordância, acordo
4ª: união: participação conjunta
5ª: ligação: συγκαταθεσις sugkatathesis: ato de colocar junto ou depositar em um lugar comum (de votos): daí, aprovação, assentimento, acordo
Embora os termos aqui tenham muito em comum, também cada um contém nuances particulares, cuja soma de significados torna-se muito abrangente.
Dificuldade: como não é uma lista de relacionamentos específicos, mas de naturezas de relacionamento, sempre fica a critério pessoal os casos específicos.
Exemplo: namoro misto se inclui nessa lista? Para mim, sim. Para outro, não.
Como resolver? Deixarei para o final.
Antes disso, veja algo interessante: para cada cinco tipos de relações proibidas entre crentes e não crentes, Paulo alista uma maneira diferente de CONTRASTAR o crente e o não crente, classificando-os de termos opostos. Veja os CINCO CONTRASTES:
1º: não há SOCIEDADE entre justiça e iniquidade:
justiça: o crente é justificado, considerado quite com a justiça divina: Rm 5.1
iniquidade: o não crente vive na iniquidade, não é justo diante de Deus
2º: Não há COMUNHÃO entre luz (crentes: Mt 5.14) e trevas (não crentes: Jo 12.46)
O que acontece quando se acende a luz num quarto escuro? As trevas desaparecem!
3º: Não há HARMONIA entre: Cristo e o maligno (Belial: aplicado ao diabo)
Tudo bem, é claro que não há harmonia entre Cristo e o diabo.
Mas o que isso tem a ver com um crente e um não crente?
Ora, o crente é profundamente identificado com Cristo, em todos os aspectos.
O não crente é terrivelmente relacionado com o diabo: filho, escravo, bajulador
4º: Não há UNIÃO entre o crente e o incrédulo.
Como unir duas pessoas com convicções diferentes sobre Deus, Cristo, a vida, etc?
5º: Não há LIGAÇÃO entre o santuário de Deus e os ídolos:
Nós somos santuário do Deus vivente
santuário: templo, lugar de habitação.
O próprio Deus vive entre os crentes e em cada crente: 1Co 3.16
Isso é tão sublime que é fora da nossa compreensão.
ídolos: coisas mortas, sem vida (apesar de representar seres vivos, malignos, destinados ao fogo eterno).
Todo o que não tem Cristo é idólatra de alguma forma.
16b-18
Paulo mistura várias passagens do VT e aplica para a Igreja, de modo positivo:
1. Deus diz explicitamente para o seu povo se separar:
* retirai-vos do meio deles, separai-vos: ação consciente de se afastar, e afastar não de uma situação, mas de pessoas!
* não toqueis em coisas impuras: envolvimento com coisas pecaminosas
2. Deus garante que assim eles terão condições de serem aceitos por Deus
3. Deus será o pai deles e eles os filhos de Deus.
Comentando a DIFICULDADE de que falei: como não é uma lista de relacionamentos específicos, mas de naturezas de relacionamento, haverá variação de opinião entre igrejas e irmãos sobre exatamente o que incluir e excluir da lista.
Vejamos três áreas, lembrando que o próprio Paulo tratou de algumas delas em 1Co:
1. Religiosa/espiritual
Obviamente é proibido comunhão e práticas religiosas com quem não tem convicções cristãs bíblicas, o ecumenismo. (1Co 10.27ss; 14.22ss)
Problema adicional: o próprio “cristianismo” abrange vários ensinos não bíblicos.
E mesmo entre igrejas parecidas, há diferenças (ex. batismo, Ceia, eleição, etc).
2. Conjugal
Também é óbvio que é proibido para o crente entrar com um não crente no tipo mais íntimo de sociedade, união, ligação entre dois seres humanos: o casamento. (1Co 7.39)
Uma igreja cristã séria não aprova casamentos de crentes com não crentes.
Não é preconceito, mas obediência à Palavra de Deus.
- Mas... e o namoro? Já não é tão claro, cabendo opiniões diferentes. Para mim, inclui a proibição, tanto que escrevi Coração Dividido.
3. Diversas: comercial , social (participação de entidades cívicas tipo Rotary, envolvimento em comissões, amizade), etc.
Não há uma regra para cada situação.
Importante é a essência: a diferença de convicções levará a um jugo desigual, perturbando ou comprometendo o compromisso com Cristo para beneficiar a sociedade, união, a amizade, etc?
Encerro com 4 observações:
A. Cada igreja tem liberdade e autoridade para adotar critérios na aplicação desses princípios de separação.
Esses critérios serão mais rígidos ou maleáveis dependendo de cada igreja e cada crente é livre para se congregar na igreja que acha mais razoável. E respeite as outras!
B. A vida é muito complexa, não é possível para cada igreja fazer lista detalhada do que é e o que não é permitido em termos de comunhão e ligação com não crentes.
Sugiro que os pastores orientem bem e, naquilo em que a igreja não legisle, cada um siga a própria consciência.
C. É lamentável, mas inevitável, que o mundo veja esse assunto com incompreensão, aborrecimento, críticas e nos julguem arrogantes, desamorosos, etc.
Mas nós que somos justiça, luz, unidos a Cristo, crentes e santuários de Deus - nós sabemos que é um privilégio ser tão protegidos por Deus e alvos do Seu carinho em nos querer como Ele próprio é: Santo, reto, puro!
d. Mesmo separados, nossa atitude não é de superioridade. Ao contrário, sabemos que somos pecadores e fomos alcançados pela graça de Deus. A mesma graça que nos leva a amar você, amigo, a pregar e orar para que você abra o coração e a receba humildemente pela fé em Cristo.
Que Deus nos abençoe. Amém